Seja você mesmo
Essa semana recebi uma mensagem que me perguntava: “Como homem, me diga uma coisa, esse cara gosta de mim?”. Também li uma conversa no Reddit sobre como é difícil conhecer pessoas para namorar. Espera-se que homens tenham certas atitudes e mulheres outras. O sujeito reclamou que as mulheres estariam tão preocupadas em se fazer de difícil, que fica impossível pra ele chegar em alguém. Dá muito trabalho!
Crescemos em uma sociedade ainda marcada por uma divisão de papéis entre homens e mulheres. Querendo ou não, esses padrões afetam nossas vidas de uma forma mais intensa do que gostaríamos de admitir. Afinal, crescemos, estudamos, adquirimos cultura e desenvolvemos pensamento crítico. Então, nos sentimos livres dessas concepções ultrapassadas.
Essa divisão de papéis entre masculino e feminino é uma construção muito antiga, enraizada em nossas culturas e sociedades ao longo dos séculos. Desde os tempos das sociedades antigas, como a Grécia e Roma, até as tradições orientais e ocidentais, os papéis de gênero têm sido delineados de maneira específica. Mesmo entre animais os papéis são definidos, com machos e fêmeas apresentando comportamentos característicos. É por isso que, aqui em casa, adotamos gatas. O único gatinho que tentamos adotar urinava em todos os cantos da casa.
É claro que a sexualidade humana vem se tornando mais complexa, quando a sociedade passa a debater a identidade de gênero. Passamos a compreender que o indivíduo, em sua subjetividade, é soberano para viver de acordo com sua percepção exclusiva de si mesmo. A realidade psíquica é tão real quanto a externa. Ainda assim, as referências ao masculino e feminino permanecem, como afirmação ou negação. Então, sempre que me refiro a homem ou mulher, sinta-se a vontade para identificar-se como quiser.
Animus e Anima
Jung chama essa influência de arquétipos, que residem no inconsciente coletivo. Ele propôs que dentro do inconsciente coletivo existem padrões universais de comportamento, conhecidos como arquétipos, que moldam nossas experiências e percepções. O inconsciente coletivo guarda toda a experiência da espécie humana, desde que o primeiro primata percebeu a si mesmo. Esse repertório é uma vantagem evolutiva, ferramenta tão importante quanto o domínio do fogo.
Entre esses arquétipos estão a Anima e o Animus. A Anima representa o aspecto feminino na psique do homem, enquanto o Animus é o aspecto masculino na psique da mulher.
Nas palavras de Jung:
Anima é a personificação de todas as tendências psicológicas femininas na psique do homem — os humores e sentimentos instáveis, as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a sensibilidade à natureza e, por fim, mas não menos importante, o relacionamento com o inconsciente.
Jung, O homem e seus símbolos
Por outro lado, o Animus na mulher incorpora qualidades como assertividade, racionalidade e coragem. Este arquétipo permite às mulheres desenvolverem a confiança e a força necessárias para se afirmarem em um mundo muitas vezes dominado por expectativas masculinas. É o que dá força para sobreviver nessa sociedade patriarcal.
A Pressão da Conformidade
A pressão para se conformar começa cedo. Na escola, aprendemos a nos comportar de certas maneiras para sermos aceitos pelos colegas e professores. Em casa, muitas vezes sentimos a necessidade de atender às expectativas de nossos pais. À medida que crescemos, a mídia e a sociedade em geral continuam a nos ditar padrões de beleza, sucesso e comportamento. Essa pressão constante pode nos levar a perder de vista quem realmente somos. Os arquétipos obtém sua força dessa pressão acumulada por milênios.
Nos relacionamentos, o constrangimento parece ser ainda maior. Nós vemos lidando com nossas visões de mundo, projetando o que entendemos ser a pessoa ideal. Quando nos apaixonamos, a pessoa amada parece perfeita. Mesmo em uma situação casual como chegar em alguém na balada, projetamos uma imagem idealizada. É como lidar com um ser que parece ser tão superior?
Aceite suas imperfeições
Tira
A máscara que cobre o seu rosto
Se mostre e eu descubro se eu gosto
Do seu verdadeiro jeito de ser
Pitty – Máscara
Nesses momentos, é comum ouvir o conselho “seja você mesmo!”. É aí que bate a insegurança “e eu, eu mesmo, serei bom o bastante? “. A resposta para isso é entender como projetamos nossas imagens internas no outro, e ver além da ilusão. O outro tem suas próprias questões, inseguranças e imperfeições.
Nos sentimos inferiores porque percebemos nossas imperfeições diretamente, afinal, convivemos com elas e até tentamos escondê-las. Jogamos o que não é “adequado” para um canto onde não queremos olhar. Os aspectos que não se conformam aos conceitos de que não se encaixa nos padrões ficam escondidos, na Sombra, longe dos olhos e do coração. Depois vestimos nossa melhor roupa para nos mostrarmos perfeitos aos olhos do outro. Esse belo traje inclui uma máscara, a Persona, que representa aquilo que queremos deixar em evidência.
Seja você, mesmo que seja estranho
Entendemos brevemente o conceito dos arquétipos: Anima, Animus, Sombra, Persona… E o que fazer com isso na prática?
Olhe para si. O que você faz por convicção por o que vem de fora? O que é seu e o que é do outro? Que papéis lhe foram impostos por ser homem ou mulher?
Olhe para o outro. A pessoa que você deseja não é perfeita. Provavelmente também está usando uma máscara, e escondendo coisas na sombra.
Ouça sua intuição. Jung descreve a intuição como a cognição que vem do inconsciente, em contraste com a percepção, que capta o mundo externo. O que você está percebendo sem saber porquê? Os sonhos são uma fonte importante de informação, trazendo as respostas que o inconsciente guarda.
Aja! Faça alguma coisa. Dê um passo, por menor que seja, é veja o que acontece. A experiência direta é um excelente aprendizado.
Comece sua jornada de autoconhecimento. E lembre-se de que você não está sozinha ou sozinho. Se estas questões causam desconforto ou sofrimento, busque ajuda profissional.